domingo, 24 de outubro de 2010

Comumente ouvimos as pessoas reclamarem...

...e continuarem reclamando, da sua jornada de trabalho. Podemos pensar que estas pessoas não encontraram o que gostam de fazer, e por isso estão mal-humoradas. Mas, por qual razão mesmo as que fazem aquilo que sempre disseram querer fazer muitas vezes também estão?
Seria possível que o ser humano simplesmente seja avesso ao trabalho? Que tipo de desavença temos com essa ação? Já não nos foi dito que "o trabalho dignifica o homem"? Por que tanta frescura sobre o que fazer e o que não fazer, e, fundamentalmente, por que demoramos tanto a nos decidir?
Com certeza, nossa formação vocacional é muito falha, mas nós também não fazemos a nossa parte. Vejamos, então, sobre a idéia da vocação e sobre sua descoberta:
Dizia Platão que desde cedo deve ser observada a vocação de cada ser humano. Dando diversos tipos de brinquedos às crianças, poderemos perceber, pelas suas escolhas mais freqüentes, naquelas que, com certeza, ela irá brincar com mais entusiasmo e, se podemos dizer algo assim, eficiência, qual é a área de interesse da pessoa. Por exemplo: aquele que escolhe as pequenas ferramentas de jardim provavelmente teria inclinação para ser um jardineiro, ou um agricultor, ou para lidar com a terra e plantas. Aquele que prefere as peças de encaixe poderia ser um arquiteto, ou um construtor. Aquele que prioriza o lápis e o papel poderia ser um pintor, um desenhista, um designer ou algo da área. Temos também aquele que prefere as ferramentas em miniatura, podendo ser um marceneiro, ou um técnico de alguma área de serviços, e assim por diante. Poderíamos citar muitos exemplos assim.
O segundo passo seria desenvolver apropriadamente essa vocação. Extrair o que há de melhor das habilidades dessa pessoa, desenvolvendo-as para que ela mesma as aproveite, e, juntamente, desenvolvendo sua consciência para que ela compreenda que deve atuar não para o seu próprio benefício somente, mas para o benefício dos demais. Aquele que é sapateiro pode não saber fazer uma boa casa, e aquele que é construtor pode não saber fazer um bom sapato, mas com certeza o construtor precisa de sapatos e o sapateiro precisa de uma casa. Assim, da união das diversas possibilidades nasce um conjunto funcional, que, se bem conduzido, gera uma enorme facilidade de sanar muitas das dificuldades básicas de toda e qualquer cidade.
Tendo suas necessidades básicas sanadas, o povo poderia então dedicar mais tempo aos ritos religiosos, ao estudo, ao crescimento espiritual. Segundo Platão, a função do Estado é proporcionar ao ser humano o meio para sua evolução. Saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, tudo isso que nossos governos mal podem dar conta ele os considerava tão óbvios e básicos que em seu livro "As Leis", quando são citadas, ele o faz em apenas alguns aspectos mais profundos.
Dessa forma, o trabalho de cada pessoa poderia, e deveria, ser considerado como Serviço ao próprio Estado. Sim, pois o trabalho bem feito, e para os outros, era de fato uma doação para que o Ideal Político (por favor... acabei de falar de Platão... não pensem nem um nada sequer sobre a nossa concepção de política) pudesse ser realizado. E, com a formação vocacional, cada um faria não apenas o que gosta, mas o que faz melhor. Pois o que é o dever de cada um fazer, aquilo que nascemos para fazer, é o que faremos de melhor, e, se conciliamos nosso dever com o nosso querer, podemos obter felicidade. Sendo assim, o Serviço é a união do Dever com o Querer, sem que haja uma intenção primeira de retorno.
Se o Serviço é a junção do desapego ao fruto, do dever, e do querer do indivíduo, ele poderia ser considerado como uma ação moral, quem sabe como reta ação. E, se o Serviço é dessa forma, ele poderia ser considerado uma ação não de um princípio ativo físico, mas de uma canalização de uma vontade maior. Uma ação necessária e bem encaixada no próprio plano divino, do qual o indivíduo é apenas o motor físico necessário, sem que seja ele apegado ao fruto, também não é sofredor das suas conseqüencias (vide Bhagavad Gîtâ), sejam elas "boas" ou "más", pois uma ação deste tipo já superou estas convicções.
Assim, o Serviço é em si mesmo seu princípio, meio e finalidade. E por isso, o Serviço seria a ação mais livre do ser humano, onde ele dá o seu melhor sem esperar nada em troca, assim como o Sol que sustenta e ilumina todo o sistema solar, incluindo toas as formas de vida neles (os planetas, animais, plantas, pedras, nós mesmo, e as formas de vida que nós não conhecemos também), sem exigir pagamento algum por isso.
E, concluindo, depois de tudo o que aqui foi exposto, poderíamos chegar à idéia de que, se para se tornar livre das conseqüências das ações devemos primeiramente realizar o que é devido, com o nosso melhor, e sem desejar nenhum retorno por isso, para chegar à Liberdade devemos estar prontos a Servir. Eu ainda diria que, propositalmente, Liberdade e Serviço foram colocados como opostos e excludentes no nosso conceito comum. Dessa forma, continuamos presos às engrenagens da caverna, servindo sem liberdade, e na completa ignorância.
"Aquele que faz todo o trabalho como uma oferenda para Deus - abandonando o apego egoísta aos resultados - fica intocado pelas reações kármicas, ou pecados, exatamente como uma flor de lótus jamais é molhada pela água" (Krishna)

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